ENTROU NO HOTEL com passo firme, sem ser apressado, porque sabia que estava adiantado ainda uns minutos. Atravessou o lobby e foi à tabacaria, comprou um maço de cigarros, espreitou os títulos dos jornais estrangeiros do próprio dia, acabados de chegar, leu-os mais em pormenor com aquela estranheza de sempre. «Por que razão o que acontece no mundo e diz respeito a todos não acontece em Portugal, ou porque é que os jornalistas portugueses entendem que nada tem que ver connosco?». Efectivamente, nenhum dos jornais portugueses falava, em primeira página, daquilo que os seus congéneres de outras capitais, à mesma hora e no mesmo continente, entendiam que podia dizer respeito aos seus leitores.
Acabou por comprar a edição de Zurique do Herald Tribune e foi sentar-se numa poltrona do átrio do hotel, tendo o cuidado de escolher a que ficava de frente para os elevadores de modo a que pudesse ver e ser visto, com facilidade, quando o seu filho saísse de mais uma sessão de squash.
Combinara encontrar-se ali com o filho e levá-lo a jantar, de modo a que pudessem com tranquilidade, como dois bons amigos, conversar da vida em geral e da vida de cada um, de filmes e de exposições, de livros, de touros e de futebol, de aulas, de profissões e do primeiro emprego. No fim de contas, uma conversa normal entre dois homens amigos, um nos quarenta e outro nos dezoito, com muito de comum entre si, para além do facto de serem pai e filho.
Começou por ler a primeira página, e depois a última, e reparou que passavam quinze minutos sobre a hora combinada. Antes de abrir o jornal, conferiu o seu relógio de pulso com o do hotel, cujo mostrador ficava sobre as portas dos elevadores. Foi nesse instante que reparou na rapariga.
Era loira, bem lançada, tinha as pernas bronzeadas e os olhos verdes. E sem dúvida que tinha um belo sorriso, porque não havia hipótese de se enganar quando teve a certeza que era para ele que ela sorria.
Retribuiu, abriu desajeitadamente o jornal e procurou a página das histórias aos quadradinhos. Por cima da margem superior do jornal, meio centímetro apenas, para não ser notado, procurou a figura delicada e saudável, simpática e despretensiosa que lhe sorrira momentos antes.
E quando os olhos lhe acertaram, zás - ali estava de novo o sorriso, simpático, simples, comunicativo, um «olá» de quem gostaria de conversar.
Mergulhou numa sucessão de rápidos pensamentos sobre o que, na surdina cerebral em que cada um fala consigo próprio, classificava genericamente, de «porca de vida».
Porquê, interrogava-se, haveria de ter uma sorte daquelas logo na noite em que esperava o filho, para o levar a jantar, no hotel em cujo ginásio jogava squash com colegas e amigos? «Porca de vida» era a interjeição que, sem explicar nada, lhe dava a resignação para o azar em que aquela sorte, dadas as circunstâncias, se transformava. Aquele maldito sorriso convidativo era o pior que lhe poderia acontecer para acabar um dia como aquele.
Assaltou-o um pensamento maldoso. Poderia, talvez, avançar, ir ter com a jovem, convidá-Ia a sair, deixar um recado na recepção com uma desculpa para o filho. Mas receou ser apanhado em pleno acto de sedução pelo rapaz, ainda com o cabelo molhado do duche, saco e raqueta na mão. Portanto, resignou-se a continuar a esperar. Mas antes de voltar ao jornal atirou-Ihe de volta com mais um sorriso, que era um misto do «tenha paciência» que se dá aos pobres e de «que quer você que eu faça?».
Leu duas notícias, acendeu mais um cigarro, voltou a olhar para o seu próprio relógio e para o do hotel e começou a impacientar-se - passavam quase vinte e cinco minutos da hora combinada com o filho para se encontrarem e irem jantar.
Olhou à sua volta, observou, noutro jogo de sofás, uns suecos que conversavam, um casal de velhos americanos, ele com umas calças de fortes quadrados vermelhos, seguiu com os olhos o groom que levava um nome num quadro preto de alguém que era chamado ao telefone e, sem mais para onde olhar, acabou por fixar a jovem.
Esta não lia, olhava ao redor, mais com um ar de disponibilidade do que propriamente com o aspecto de quem espera alguém. Tinha uma linda linha de pescoço, com o cabelo apanhado num elegante carrapito, tinha um corpo flexível onde nada estava a mais nem a menos, tinha as pernas mais lindas que vira nos últimos tempos e, sobretudo, tinha aquele sorriso luminoso que o encandeava novamente. Voltou a retribuir o sorriso, pouco resignado.
Poderia voltar mais tarde, pensou então, depois de se despedir do filho, gratificar o boy ou o recepcionista para que lhe dissessem em que quarto a poderia encontrar, que nome tinha, quando se ia embora. Achava que esta seria a melhor solução. Faria isso!
Foi nessa altura que as pernas bronzeadas se destraçaram, aquele corpo se desenrolou e aquele sorriso de holofote se começou a mexer na sua direcção.
Baixou o jornal sobre os joelhos e ficou num misto de êxtase, quer olhando o animal, meio pantera meio gazela, a caminhar para si, quer olhando o elevador de onde a qualquer momento o filho poderia sair.
- Olá - disse o sorriso que também tinha voz.
- Olá - respondeu, sem encontrar nada para dizer.
- Olhe, eu sei que você é o pai do Pedro. Quando ele vier, diga-lhe que a Susana esteve aqui e que o espera onde ele sabe, depois de vocês jantarem. Ciao.
Não respondeu. Ficou-se a vê-la sair pela porta giratória, com a sensação de ter sido atropelado pela fanfarra a cavalo da Guarda Republicana.
- Desculpa lá o atraso - disse-lhe o filho poucos minutos depois.
- Estás com uma cara esquisita, que é que tens?
- Nada, não tenho nada. Estava só a pensar que a velhice nos apanha, de facto, de surpresa.
E lá foram jantar à pressa, porque, a seguir, o filho tinha muito que fazer.
Sem comentários:
Enviar um comentário