PUS DE LADO O SUPLEMENTO literário que acabara de ler e meditei, seriamente, como convém a um leitor atento de qualquer suplemento literário.
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O meu primeiro movimento foi o de agarrar num lápis e fazer um círculo ao redor da mesma palavra em três trechos diferentes, de modo a não me restar qualquer dúvida.
O meu primeiro movimento foi o de agarrar num lápis e fazer um círculo ao redor da mesma palavra em três trechos diferentes, de modo a não me restar qualquer dúvida.
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O suplemento publicava excertos de livros no prelo de autores conhecidos e em três diferentes textos eu encontrava a mesma palavra, em contextos diferentes, é verdade, mas que não deixava de ser preocupante porque se tratava de um substantivo, feminino, ainda que numa das três circunstâncias fosse utilizado o diminutivo, tudo muito singular.
O suplemento publicava excertos de livros no prelo de autores conhecidos e em três diferentes textos eu encontrava a mesma palavra, em contextos diferentes, é verdade, mas que não deixava de ser preocupante porque se tratava de um substantivo, feminino, ainda que numa das três circunstâncias fosse utilizado o diminutivo, tudo muito singular.
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Olhei os três círculos em páginas diferentes, mas sequentes, e li «ginja», «ginja», «ginjinha». Fiquei, portanto, preocupado com o peso da ginja na literatura portuguesa e decidi que tinha de comprar aqueles livros logo que chegassem aos escaparates, não só pelo apreço que nutro pelos respectivos autores, mas também para descobrir se as ginjas eram com elas, ou sem elas, questão a que os truncados nacos de prosa não respondiam.
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Fiquei, decerto, por associação de ideias, a pensar no gosto ingénuo de anos atrás em se ir aos Restauradores beber a melhor ginja de Lisboa - ao que se dizia - e a estranha experiência que era ficar a disparar caroços para o passeio, desde o balcão apinhado, no barzinho superlotado e estranhamente silencioso num fim de tarde de domingo de futebol. Esperava-se então pelas edições dominicais dos vespertinos que publicavam os resumos dos jogos, a classificação e os comentários e entretinha-se a espera com ginjinhas e «piratas» na Praça dos Restauradores, que, de repente, era despertada pelas sapatilhas ágeis dos ardinas, que, se fossem cronometrados, teriam batido o recorde dos cem metros, ainda que sem direito a homologação, porque corriam a descer pelo percurso sorna do Elevador da Glória, cuja calçada se convertia assim em zarabatana, lançando aqueles dardos humanos e gritantes pela praça fora até à porta do Cinema Condes.
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Mas a Rubi, no meio de tudo, fascinava-me. Não pela sua ginja espessa, sangue-de-boi, com o fruto ressequido e alcoolizado no fundo, mas pela sua fauna silenciosa e gesticulante. Era como se tratasse de um caçador submarino – mergulhava, entrava naquelas caras vivas, expressivas, dolorosamente expressivas de quem quer comunicar o melhor que pode - a mais de dez braças, no mundo do silêncio. E o contraste era tanto maior quanto mesmo ali ao lado, no velho Palladium se discutia apaixonadamente, pelo meio das carambolas do primeiro andar, e no lusco-fusco da Praça dos Restauradores havia gritos desencontrados e velhos amarelos da Carris de circulação apanhados em andamento, com direito a acabar a conversa antes da grande viagem, cuja partida era dada - subentendia-se, claro - por alturas do Lourenço & Santos ou, para evitar falsas partidas, logo a seguir aos gelados do Italiano.
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A Rubi era o fundo de tudo isso. A sua ginja, ou ginjinha, naqueles domingos à tarde, que se assemelhavam ao fim de um recreio, com as correrias das partidas e chegadas e a angústia dos desencontros, era o pretexto para a reunião de uma das mais curiosas e ignoradas tertúlias que este país já teve - a dos surdos-mudos, quase todos casapianos, de ganso na lapela, falando com a maior veemência que possam imaginar, de coisas que sabe Deus quais.
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Podem crer que era comovente ficar a cuspinhar caroços de ginja para o passeio, naquela bolha de silêncio na hora mais ruidosa e empenhada da Praça dos Restauradores, naqueles fins de recreio de esperanças e desesperanças sem conseguir adivinhar as paixões e os segredos daquele vocabulário gesticulante e silencioso.
Podem crer que era comovente ficar a cuspinhar caroços de ginja para o passeio, naquela bolha de silêncio na hora mais ruidosa e empenhada da Praça dos Restauradores, naqueles fins de recreio de esperanças e desesperanças sem conseguir adivinhar as paixões e os segredos daquele vocabulário gesticulante e silencioso.
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Era como viajar no interior dum batíscafo, pelo leito dum lago, agitado, sem conseguir deixar de olhar ou perder um gesto daqueles patéticos gansos do silêncio.
Era como viajar no interior dum batíscafo, pelo leito dum lago, agitado, sem conseguir deixar de olhar ou perder um gesto daqueles patéticos gansos do silêncio.
1 comentário:
Sempre que o tempo me dá umas tréguas passo aqui para lê-lo( agora que descobri seu blog) e como sempre apreciei o seu trabalho literário e televisivo aproveito para me deliciar com estas suas histórias.
Esta lembrou-me a também tão cantada tendinha junto ao arco de bandeira não é?
Claro que não sou desse tempo mas lembro-me desse fado.
Seria a ginja ao lado?
O brigada pelos momentos aqui passados a lê-lo.
um bjinho
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