sábado, 21 de fevereiro de 2009

O ANO DOS PATOS E DAS ANDORINHAS

COMEÇÁMOS NOVA VOLTA do carrossel. É esta a sensação estranha que actualmente me dá a passagem dos anos, entendendo por isto o acabar um ano e começar outro período igual.
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Toca a buzina, o carrossel abranda, há quem salte porque não pode mais, há quem se firme no tigre, se apoie no leão, se pendure na girafa e, «hop-lá», mais uma volta, vai andar, vai andar, com o vento na cara, agarrados à garupa da vida, a ver quem aguenta maior número de voltas, uns tirando prazer da viagem, outros limitando-se a não dar parte de fracos.
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Vivemos todos este rápido e angustiante período de transição. Agitamo-nos todos apertados neste parêntesis da História. Vimos do certo, do garantido, do seguro, da Feira Popular com os seus túneis do amor, barracas dos espelhos, castelos fantasmas, montanhas-russas, tudo destinado à ilusão provocada pelo sobressalto desejado para quebrar o ripanço garantido e animar a segurança da vida.
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Estamos agora na naúsea da vertigem da volta cada vez mais rápida, movemo-nos no círculo que nos atira para o vazio do desconhecido, penduramo-nos de cavalinhos de pau que riem, de zebras de pijama às riscas, de tigres a saltar em frente.
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Empurramo-nos, frenéticos, no grande parêntesis da História. Parêntesis entre o certo e estabelecido e o incerto, espécie de incógnita do poço da morte, em voltas cada vez mais rápidas, no carrossel da vida.
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Dantes, os anos pareciam ter muito mais coisas. Tinham Primavera, Verão, Outono e Inverno; tinham armários para guardar as roupas certas, tinham Verões de São Martinho adequados aos magustos e havia épocas para tudo - para começar as aulas, para forrar os livros, para ir aos ninhos, para tomar banhos de mar, para ir para o pinhal, para comer gelados ou comer castanhas, para carregar cartuchos calibre doze, para rachar lenha para o fogão.
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Havia também os momentos próprios para o sarampo, para o sarampelho, para a escarlatina ou para a difteria; assim coHoje, não há mais certeza de coisa nenhuma. Não há horas, nem vidas nem dias certos para o que quer que seja. Rodopiamos sem querer pensar onde nos leva esta viagem circular. Os anos entram à razão de montras de centro comercial e saem à mesma velocidade e sem cerimónia, connosco a vermos todas as feiras populares e luna-parques, cosmética de miséria humana, polvilhada de stands de «ó simpático, um tirinho».mo existiam dias indicados para colar nas costas o adesivo da tuberculina.
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Hoje, não há mais certeza de coisa nenhuma. Não há horas, nem vidas nem dias certos para o que quer que seja. Rodopiamos sem querer pensar onde nos leva esta viagem circular. Os anos entram à razão de montras de centro comercial e saem à mesma velocidade e sem cerimónia, connosco a vermos todas as feiras populares e luna-parques, cosmética de miséria humana, polvilhada de stands de «ó simpático, um tirinho».
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Desejar bom ano para todos os meus semelhantes é cair em lugar-comum de emissão televisiva endomingada e, sem desistir deste voto, não quero incorrer em falha tão grosseira. Assim, o melhor que posso fazer, sem alterar o nosso calendário, nem mudar do gregoriano para o chinês, é desejar que este ano todos dêem pela chegada das andorinhas, que notem a passagem dos patos com os seus gigantescos V V de vitória. Já repararam há quanto tempo a gente não dá por isso? Que este ano dos patos e das andorinhas seja um bom ano para todos os que continuam a resistir e recusam tornar-se aves de arribação em que alguns passarões nos querem transformar.
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Lisboa, 1987