EM PLENA CRISE DE CRIAÇÃO telefonei a uma amiga que vive em Nova Iorque e perguntei-lhe:
- Se tivesses que escrever um texto para a Eles e Elas, que é que tu escreverias?
- Contava-lhes uma boa história que se tivesse passado comigo ou simplesmente esquecia-me, metia-me no avião e vinha a Nova Iorque ouvir Woody Allen tocar clarinete na terça-feira que vem.
- Não posso - respondi eu -, tenho de acabar a preparação do Jornal das Nove no Segundo Canal da Televisão, e se fizesse isso nem crónica na revista nem notícias na televisão.
- E daí? - perguntou a minha amiga.
- Daí, nada - respondi eu -, os leitores ficavam mais tranquilos, os espectadores menos furiosos e eu mais contente comigo próprio. Esse é o drama.
- Onde está o drama?
- O drama está em quererem obrigar-me a fazer coisas que não me apetecem. Na TV tenho de escrever e dizer às pessoas as notícias do dia, na revista querem que escreva uma coluna de opinião e eu não quero saber de notícias nem ter opiniões, entendes agora?
- Okay, entendido. Por isso, mete-te no avião e vem ter connosco. Vamos jantar ao Elain's, pode ser que lá esteja o Norman Mailer, vamos a um espectáculo na Broadway, vamos ouvir o Woody e...
- ... e depois não posso voltar. A directora da revista mata-me, que é o melhor que me pode acontecer, porque se sobreviver na Televisão ficam a tratar-me abaixo de qualquer cão dum mineiro moçambicano negro que trabalhe na África do Sul.
- Então escreve uma boa história.
Mas eu não quero escrever uma boa história e, de resto, querem que eu escreva uma coluna de opinião.
- Então em vez de tudo isso o que é que gostavas de fazer?
- Justamente o que te vou dizer: gostaria de escrever diálogos para personagens de séries de TV, precisamente aquilo em que estou a transformar este texto que, definitivamente, quando acabado, não será uma coluna de opinião. Depois, em vez de ir a Nova Iorque jantar com o Norman Mailer e ouvir o Woody Allen, já ficava satisfeito de ir à Costa da Caparica tomar uns copos com o Cardoso Pires e rir-me com o Raul Solnado e, depois, voltar para Lisboa, e em vez de ler o noticiário fazer um anúncio a uma pasta de dentes disponível e, se tudo isto estivesse a sair bem, acabar por ir a Madrid ouvir a Olga Ramos, comprar a Hola em vez dos semanários de Lisboa, ler o Manuel Fraga Iribarne em vez do Francisco Lucas Pires e a Elena Flores em vez da Helena Roseta. Se queres saber o que eu gostava de fazer, era isto.
- Então porque não fazes?
- Porque não posso. Tenho de ceder às solicitações. Vou ter de dizer às pessoas as notícias da noite sem lhes contar o que aconteceu durante o dia e terei de escrever um texto que não sendo uma coluna de opinião será publicado pela Eles e Elas como uma coluna escondida com opinião de fora.
- Então, recusas?
- Não, aceito. Mas ainda há momentos a Madonna me dizia «Papa, don't Preach», e eu não vou pregar sermões, mas tenho de mostrar que sou de algum modo ajuizado porque é isso que as pessoas esperam que eu seja. Se eu não fosse ajuizado não te estava a telefonar para Nova Iorque, a pedir a tua opinião, tinha fechado os olhos e inventado para consumo próprio que fugia com a Madonna, para ela imitar só para mim a Marilyn, para dizer com aquela vozinha de rainha-cláudia «Papá, não pregues sermões» e tentaria escrever coisas mais divertidas do que a Morte de Um Caixeiro-Viajante, e quando visse essas coisas representadas no Parque Mayer convencia-me que não era o Arthur Miller e que a Madonna não é a Marilyn e que a única coisa que têm em comum é não gostarem de usar cuecas, e por fim atraiçoava a Madonna com a Hannah sem o Michael Caine e o Woody Allen saberem e...
- E estás mas é louco. Afinal, que vais fazer?
- Que remédio, vou acabar esta crónica. Vou acabá-la como um toureiro que despacha de uma estocada um touro que não presta para a muleta. Vou assegurar-me que não queiram que eu escreva mais. Vou beber um longo, longo uísque. Vou ficar sozinho em casa. Vou fechar os olhos e pôr-me a ouvir o Luciano Pavarotti e vou tentar esquecer a Madonna, enquanto posso.
- É tudo?- É tudo. Dá um beijo meu aos miúdos. E não te preocupes. Isto vai passar, como sempre aconteceu, acabo por fazer certinho aquilo que esperam que eu faça.
- Se tivesses que escrever um texto para a Eles e Elas, que é que tu escreverias?
- Contava-lhes uma boa história que se tivesse passado comigo ou simplesmente esquecia-me, metia-me no avião e vinha a Nova Iorque ouvir Woody Allen tocar clarinete na terça-feira que vem.
- Não posso - respondi eu -, tenho de acabar a preparação do Jornal das Nove no Segundo Canal da Televisão, e se fizesse isso nem crónica na revista nem notícias na televisão.
- E daí? - perguntou a minha amiga.
- Daí, nada - respondi eu -, os leitores ficavam mais tranquilos, os espectadores menos furiosos e eu mais contente comigo próprio. Esse é o drama.
- Onde está o drama?
- O drama está em quererem obrigar-me a fazer coisas que não me apetecem. Na TV tenho de escrever e dizer às pessoas as notícias do dia, na revista querem que escreva uma coluna de opinião e eu não quero saber de notícias nem ter opiniões, entendes agora?
- Okay, entendido. Por isso, mete-te no avião e vem ter connosco. Vamos jantar ao Elain's, pode ser que lá esteja o Norman Mailer, vamos a um espectáculo na Broadway, vamos ouvir o Woody e...
- ... e depois não posso voltar. A directora da revista mata-me, que é o melhor que me pode acontecer, porque se sobreviver na Televisão ficam a tratar-me abaixo de qualquer cão dum mineiro moçambicano negro que trabalhe na África do Sul.
- Então escreve uma boa história.
Mas eu não quero escrever uma boa história e, de resto, querem que eu escreva uma coluna de opinião.
- Então em vez de tudo isso o que é que gostavas de fazer?
- Justamente o que te vou dizer: gostaria de escrever diálogos para personagens de séries de TV, precisamente aquilo em que estou a transformar este texto que, definitivamente, quando acabado, não será uma coluna de opinião. Depois, em vez de ir a Nova Iorque jantar com o Norman Mailer e ouvir o Woody Allen, já ficava satisfeito de ir à Costa da Caparica tomar uns copos com o Cardoso Pires e rir-me com o Raul Solnado e, depois, voltar para Lisboa, e em vez de ler o noticiário fazer um anúncio a uma pasta de dentes disponível e, se tudo isto estivesse a sair bem, acabar por ir a Madrid ouvir a Olga Ramos, comprar a Hola em vez dos semanários de Lisboa, ler o Manuel Fraga Iribarne em vez do Francisco Lucas Pires e a Elena Flores em vez da Helena Roseta. Se queres saber o que eu gostava de fazer, era isto.
- Então porque não fazes?
- Porque não posso. Tenho de ceder às solicitações. Vou ter de dizer às pessoas as notícias da noite sem lhes contar o que aconteceu durante o dia e terei de escrever um texto que não sendo uma coluna de opinião será publicado pela Eles e Elas como uma coluna escondida com opinião de fora.
- Então, recusas?
- Não, aceito. Mas ainda há momentos a Madonna me dizia «Papa, don't Preach», e eu não vou pregar sermões, mas tenho de mostrar que sou de algum modo ajuizado porque é isso que as pessoas esperam que eu seja. Se eu não fosse ajuizado não te estava a telefonar para Nova Iorque, a pedir a tua opinião, tinha fechado os olhos e inventado para consumo próprio que fugia com a Madonna, para ela imitar só para mim a Marilyn, para dizer com aquela vozinha de rainha-cláudia «Papá, não pregues sermões» e tentaria escrever coisas mais divertidas do que a Morte de Um Caixeiro-Viajante, e quando visse essas coisas representadas no Parque Mayer convencia-me que não era o Arthur Miller e que a Madonna não é a Marilyn e que a única coisa que têm em comum é não gostarem de usar cuecas, e por fim atraiçoava a Madonna com a Hannah sem o Michael Caine e o Woody Allen saberem e...
- E estás mas é louco. Afinal, que vais fazer?
- Que remédio, vou acabar esta crónica. Vou acabá-la como um toureiro que despacha de uma estocada um touro que não presta para a muleta. Vou assegurar-me que não queiram que eu escreva mais. Vou beber um longo, longo uísque. Vou ficar sozinho em casa. Vou fechar os olhos e pôr-me a ouvir o Luciano Pavarotti e vou tentar esquecer a Madonna, enquanto posso.
- É tudo?- É tudo. Dá um beijo meu aos miúdos. E não te preocupes. Isto vai passar, como sempre aconteceu, acabo por fazer certinho aquilo que esperam que eu faça.
1 comentário:
Olga Ramos tenía raíces lusitanas, según tengo entendido
Enviar um comentário