DESCOBRI o café ideal através de um conhecido que sofre de angústia
existencial
- Vamos ao café, que hoje estou para implicar - disse-me, e, quinze
minutos depois, ele estava felicíssimo.
Quando entrámos, não se sentou. Dirigiu-se ao criado mais próximo e
disse alto à boa maneira dos saloons nos westerns:
- Você é uma besta-quadrada. Sai à família, não é verdade?
- Tem Vossa Excelência toda a razão. Desejam mesa? - retorquiu
sorridente o empregado.
Pouco depois de estarmos sentados, esse meu conhecido passou a mais
bela rasteira que jamais vi a outro pobre funcionário que corria com dois
tabuleiros, carregando catorze bicas, vinte e seis brandes, sete sandes, quatro
copos de leite, três garotos e seis galões. Ainda o homem não havia caído e já
tinha gritado:
- Desculpe, senhor, a culpa é inteiramente minha.
E ainda não se tinha levantado quando o patrão trovejou:
- Você vai pagar tudo isto, ó Silva.
Ao que ele retorquiu:
- Evidentemente, senhor Lopes.
Cenas como estas tornam o café que vos falo no café ideal. É de
facto o café mais reconfortante da cidade e não me admiro nada que os
psicanalistas em voga o recomendem mesmo sem receber comissão. Mas o mérito
todo está no letreiro. Naquele enorme letreiro que se reflecte no grande
espelho frontal e nas caras dos habitués.
De outra vez que lá voltei, uma senhora pediu a um empregado que
fosse dar uma volta ao quarteirão com o caniche que a acompanhava enquanto ela
telefonava a uma amiga. O homenzinho voltou alegremente meia hora mais tarde
sem uma perna das calças, uma meia rota e os dedos a sangrar. Esperou doze
minutos pelo fim da conversa telefónica e inquiriu delicadamente, apontando o
bichinho:
- Não tem raiva, pois não?
- Raiva?! O meu amorzinho com raiva, seu animal?
- Bem me queria parecer que não – disse ele afastando-se
sorridente.
Na minha quarta ida àquele café, eu próprio não resisti: fui à
vitrina, tirei um pastel dos maiores e esmaguei-o na cara do empregado mais
próximo.
- Muito obrigado. Até que enfim que aparece um cliente original –
respondeu.
Fiquei evidentemente todo satisfeito. Mas o mérito está no
letreiro.
É uma pena os criados dirigirem-se aos clientes em fala normal. Se
cantassem quando fazem as encomendas ou chamam os «senhores» ao telefone,
aquilo era uma opereta completa ou, se os saudosistas preferirem, um verdadeiro
café-concerto. Mas o mérito está, todo, no enorme letreiro:
«O CLIENTE TEM SEMPRE RAZÃO!»